terça-feira, 14 de julho de 2020

Sem barganha

Todo movimento que institucionaliza a fé é mau.
Não importa o "bem" que ele faça, o conforto que traz, o auxílio que dê.

Toda pretensão de achar que podemos bajular Deus em benefício próprio, ainda que esse benefício seja necessário, apenas revela o mau caráter do homem e o quanto ele é necessitado da misericórdia que Deus dá de graça.

domingo, 7 de junho de 2020



O que é fé?
Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.
Hebreus 11:1

A bíblia tem uma maneira peculiar de definir termos que nos dê margem para pensarmos mais a respeito deles e criarmos definições a partir de sua própria definição, ou mesmo criarmos questões sobre ela. O mesmo acontece aqui nesse exemplo sobre sua definição de fé.
Vamos analisar essa definição de uma forma mais clara. Se você viesse a definir fé com suas próprias palavras, qual seria essa definição?

Para mim, é muito mais fácil definir o que a fé não é do que propriamente defini-la.
Uma certeza que tenho é de que a fé não é uma espécie de positividade.
É comum diante de situações adversas como uma doença, por exemplo, dizermos "tenho fé que serei curado". É errado isso? De maneira nenhuma. Muitas curas que Cristo operou vieram por intermédio da fé que a pessoa tinha de ser curada. Isso é algo positivo? Claro que sim.

Então, qual sentido de fé não ser positividade?
Vamos ao texto de Hebreus: a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam...
Se pudéssemos questionar todas as pessoas do mundo o que elas esperam para suas vidas, acredito que 99% delas diriam que esperam coisas boas. Uma vida saudável, pacífica, bens materiais pra satisfazer suas necessidades básicas e quiçá suas pequenas vaidades.

Em geral, todo mundo espera, luta e persegue uma vida melhor pra si.
Pelo modo como enxergamos o mundo, podemos constatar que estamos longe dessa esperança individual e coletiva de uma vida melhor.
Mas por que isso acontece?

A primeira coisa que devemos entender sobre fé é que além dela não ser pensamento positivo, ela é firme fundamento ou apenas certeza.
Certeza é garantia. Podemos de fato ter garantia de que teremos tudo que queremos ter? Nem sempre.
Portanto, essa certeza da qual tratamos não pode ser positividade.
A fé deve produzir em nós uma consciência racional da realidade em que vivemos: No mundo tereis aflições João 16:33.

A fé não muda sua realidade. Ela muda a forma como você enxerga sua realidade e da o combustível necessário para mudá-la. É isso que Tiago diz quando fala "me mostre sua fé, que eu lhe mostrarei minhas obras" Tiago 2:18 e "a fé sem obras é morta" Tiago 2:26.

Esse é o problema de quem acredita que fé seja positividade. Eles acreditam que alterar essa realidade seja uma alteração absoluta e muitas vezes não é.
Imagine um casal com sua única filha de 4 anos voltando para casa de carro depois do culto de domingo quando do outro lado da pista, outro veículo conduzido por um motorista embreagado voltando de uma festa, invade a contra mão e colide frontalmente com o carro da família matando na mesma hora a única filha do casal...
Como fica a fé nessa situação?

Pra quem usa a fé como instrumento de positividade, certamente vê seu mundo positivo se desmoronar diante dos seus olhos.
Pra quem consegue enxergar a realidade dos fatos, sabe que estamos sujeitos a esses tipos de males e outros piores ainda nessa vida, mas contudo, nenhum mal é capaz de nos tirar a certeza de que Deus nos reserva sim algo melhor além disso.

Então, essa esperança que é o produto do firme fundamento, é a esperança da salvação e por ela agimos.
Quando analisamos o texto de Hebreus adiante, vemos os exemplos de fé que a bíblia relata e entendemos melhor a esperança de vida que Deus nos traz.
Abel que ofereceu um sacrifício que agradou a Deus. O sacrifício da carne e do sangue, símbolos da vida. Mesmo tendo sido vitimado por seu irmão logo em seguida.
A fé não vai te blindar dos males desse mundo, como não blindou Abel. Ela o ajudará a superá-los e tornará você alguém mais forte.
E precisamos disso. Pois sem fé é impossível agradar a Deus. Abel alcançou o agrado de Deus.

A pergunta que te faço agora não é o que você está disposto a ganhar pela fé, mas o que você está disposto a sofrer pela fé que produz o agrado de Deus?

domingo, 31 de maio de 2020

I can´t breathe

Nos últimos dias tivemos dois casos semelhantes de vítimas da violência do estado contra pessoas pacíficas e inocentes.
O caso do menino João Pedro de 14 anos baleado dentro de casa numa operação da Policia Civil e Federal no complexo Salgueiro e do americano George Floyd que foi abordado por policiais como suspeito de passar uma nota falsa em uma loja.
Os dois casos chocaram respectivamente Brasil e mundo e tem em comum o fato das vítimas serem pretos e acometidos por uma ação violenta e criminosa do estado que usa de sua força bélica diariamente contra aqueles que consideram ameaça a sociedade.
No geral, essa ameaça tem cor e classe social.
Mas não quero entrar no âmbito da luta racial e social nesse texto. Quero alertar em função de vários comentários que sempre vejo saindo da boca de ditos cristãos em defesa dessas ações criminosas.
É comum vermos a fala "não se pode condenar a policia por causa do ato isolado de uns poucos"; "temos que respeitar as autoridades"; "infelizmente essas vitimas apenas estavam no lugar errado e na hora errada".
Não dá pra entender o cara que 1 domingo por mês celebra o corpo e o sangue de um inocente que foi vítima da opressão do estado e faz uma fala dessas quando o inocente é outro.
A bíblia narra que quando Jesus deu seu último suspiro na cruz, céus e terra se abalaram como que demonstrando inquietação e repúdio pela morte de um inocente.
Esse é o alerta dos céus que Deus não se alegra com o sangue inocente sendo derramado.
A igreja tem o dever ético de apoiar qualquer ato contra a violencia, não somente quando a ação violenta parte da vítima e como bem disse Malcon X "não confunda a reção do oprimido com a violência do opressor".
Apoiar a causa da vítima inocente é apoiar a Cristo.
Passar o pano para o estado opressor baseado em uma falsa ideia de submissão de autoridades é legitimar a causa do opressor, é o mesmo que gritar "Soltem Barrabás, crucifique Jesus".

Saí da igreja, e agora?

Sai da igreja, e agora?

Nos últimos anos se popularizou o movimento chamado de desigrejados, que são cristãos motivados por vários fatores, deixaram suas igrejas comuns pra se reunirem em casas ou seguimentos informais, sem placas, nomes ou filiações.
Não desejo aqui entrar no mérito que levou e leva todos os dias alguém migrar do modelo primário de igreja que conhecemos ao modelo secundário.
Chamarei o modelo primário de igreja padrão. Basicamente é uma denominação associada a algum movimento dentro do meio cristão, por exemplo: Assembléia de Deus, que faz parte do movimento pentecostal.
O modelo secundário, chamarei de alternativa. Que é, também, fragmentado em vários modelos de igrejas como por exemplo: Caminho da Graça, ou mesmo algum modelo que não recebe nomes, são menos burocráticos e mais informais.
Como eu disse anteriormente, todos os dias, por vários fatores, diversos cristãos abandonam o padrão. A dúvida que surge inicialmente é: E agora?
Sair da igreja padrão significa necessariamente deixar de seguir minha fé?
Claro que não!
O princípio que estabelece a igreja de Cristo é a afirmação de Pedro descrito em Mateus 16 onde ele diz "tu és o Cristo, filho do Deus vivo". Jesus reconhece que essa revelação é proveniente do próprio Deus e acrescenta "sobre esta pedra, edificarei a minha igreja".
A pedra é a revelação de Deus dada a Pedro acerca da pessoa de Jesus. E Cristo, usa pela primeira vez na bíblia, o termo igreja e a partir daí os discípulos nunca mais pararam de usar esse termo.
Portanto, entendemos aqui o fundamento da igreja. A revelação que o Cristo filho do Deus vivo veio e estabeleceu sua igreja a partir dessa revelação divina dada de bom grado aos homens.
Deixar a igreja padrão não necessariamente envolve abandonar esse credo de fé descrito acima.
Mas e como fica o congregar? Estar entre os irmão de fé é importante?
Sim, é super importante ter contato com cristãos que assim como você professam a mesma fé que Cristo é o filho de Deus.
Hebreus 10:25 nos diz o seguinte: "Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia."
Essa reunião de pessoas que professam da mesma fé em Cristo não pode ser qualquer tipo de reunião. O autor de Hebreus nos diz que deve ser feita como igreja, ou seja, firmados na fé de Pedro que por meio da revelação divina estabelece Cristo como o filho de Deus.
E por que a importância da igreja se reunir nesse propósito de cultuar ao filho de Deus?
Mateus 17 fala sobre a transfiguração de Jesus. Aquele episódio em que Jesus leva 3 de seus discípulos ao monte e lá algo inimaginável acontece, leia:
Seis dias depois, Jesus chamou a Pedro, Tiago e João, irmão de Tiago, e os levou para um alto monte para poderem ficar sozinhos. 2 Ali, Jesus se transfigurou [a] diante deles. O seu rosto brilhava como o sol e as suas roupas se tornaram brancas como a luz. 3 De repente, Moisés e Elias também apareceram diante deles e ambos começaram a conversar com Jesus. 4 Pedro, então, disse a Jesus:
—É bom que nós estejamos aqui, Senhor! Se quiser eu posso construir aqui três tendas—uma para o senhor, uma para Moisés e outra para Elias.
5 Pedro mal tinha acabado de falar quando uma nuvem brilhante apareceu e os envolveu. E da nuvem também vinha uma voz que dizia:
—Este é o meu Filho! Eu o amo muito e Ele me dá muita alegria.
O que essa passagem nos diz é a maravilhosa.
Ali estava Moisés e Elias.
Moisés é a principal figura para um judeu, pois este representa as leis escritas nas tábuas de pedra pelo dedo do próprio Deus e entregue a Moisés enquanto o povo de Israel vagava pelo deserto após a saida do Egito.
E Elias, o principal dos profetas para os judeus. Embora Moisés também fosse um profeta, sua representatividade na cultura judaica está mais associada as leis, enquanto que Elias representa os profetas.
Então ali estão as 2 maiores autoridades reliogiosas da cultura judaica reunidas com uma terceira pessoa, que é Jesus, quando uma nuvem os cobre e uma voz diz acerca da terceira pessoa "este é meu Filho amado...".
É importante mencionar que Lucas 16:16 diz que os profetas e a lei tem valor até João Batista. A partir desse momento, o Reino de Deus se apresenta aos homens através de Jesus, o filho amado de Deus que o dá muita alegria; que fora revelado a Pedro e estabelecido a partir dessa revelação divina aos homens, como fundamento da Igreja.
É nessa crença que a Igreja é estabelecida e a partir dela que nos reunimos para cultuar a Deus sem a barreira que outrora dividia Deus dos homens, limitava o acesso entre Pai e criação. O que a lei e os profetas não conseguiram, Cristo consegue e nos redime da ruptura iniciada em Adão e perpetuada até o momento da crucificação, até o último suspiro do sagrado em forma humana: Está consumado!
Agora que você entendeu isso, talvez surja a pergunta: Mas onde eu posso cultuar junto aos meus irmãos?
A resposta é muito simples: em qualquer lugar!
Todo espaço, onde nos reunimos em nome de Jesus é uma reunião eclesiastica, ou simplesmente uma igreja.
Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles. Mateus 18:20
Entendido isso, mais adiante passaremos a tratar sobre algumas questões que fazem parte do nosso cultuar e da nossa vida em Cristo, tais como: batismo, ceia, salvação, graça, etc.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Fruto da graça

Quem vive negociando com Deus numa relação de troca de favores para obter beneficios está vivendo uma simples religião como qualquer outra.
Todas as religiões também tem um deus oferecendo bençãos em troca de favores.
Isso não torna ninguém mais certo que outro.
Todas as outras também se alimentam e se fortalecem do mesmo combustível: medo!
Eu sou cristão porque em Cristo não há relação de trocas de favores. Existe apenas um Deus que nos ama de maneira tão inexplicável e num amor tão completo que me cobriu desde antes da minha formação e me cobrirá por toda eternidade Tudo que sei é que sou pequeno demais pra me achar merecedor desse amor.
Só posso deduzir que sou fruto de sua graça.

sábado, 25 de abril de 2020

A queda do sistema - de volta a origem

Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês vêem que se aproxima o Dia.

Hebreus 10:25

Nesse quase fim do período de distanciamento social a que foi acometido o mundo a pergunta que fica é: E agora? E depois?
Se a sua vida simplesmente voltar a normalidade anterior, acredito que você não tenha aprendido nada nesse tempo.

Sem querer entrar no mérito da discussão que circunrodeou palcos de religiosos ávidos por justificativas divinas, se foi Deus que enviou o vírus como um castigo, guardadas as devidas proporções, um novo dilúvio; se foi meramente uma arma biológica; ou qualquer motivo diferente que tenham dito. O que devemos sempre, com olhos atentos e ouvidos abertos, é perceber que em todas as situações podemos tirar lições.

A obrigatoriedade de nos distanciarmos uns dos outros nos levou a origem da igreja: o lar!
Nossas casas voltaram a ser o local de culto primário e anúncio do evangelho.
Ali, na nossa sala, ou quarto, sem os palcos que nos dão grande visibilidade. Sem o aparato tecnológico que nos permite produzir um espetáculo admirável do ponto de vista artístico e no qual até nos orgulhamos dizendo muitas vezes "pra Deus o melhor".
O terno deu lugar a camiseta normal, bermuda, chinelos.
O baner com logotipo da denominação foi trocado pela parede do fundo da sala que em alguns lares carece até mesmo de uma renovação de pintura.
Os instrumentos musicais foram desligados e ouvimos apenas nossas vozes, com algumas exceções o som tímido de um violão.

Eu sei que muito de vocês anseiam por retornar todo domingo ao local que consideram sagrado e chamam casa de Deus. Mas tenha calma e entenda o ensinamento de Deus nesse período turbulento.
Eu gosto muito desse texto de Hebreus e já o uso há mais de 1 década quando o fenômeno dos chamados desigrejados estava ganhando fama pelo mundo, por ser repleto de ex membros denominacionais que resolveram largar o convencional pelas reuniões caseiras em grupos pequenos.
Esse grupo, do qual faço parte, por anos tem sido atacado por essa forma de cultuar a Deus.
Na visão dos que atacam, eles deveriam fazer parte de um modelo padrão atual.
O autor de Hebreus discorda desse ataque.

Nesse texto, o advérbio de modo "COMO" faz toda diferença para entendermos esse texto.
Reunir-nos "como" igreja e não Reunir-nos NA igreja.
Igreja não é um local específico, então o que é?

A palavra Igreja origina do grego eclesia, citada por Jesus em Mt 16:18 E eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do Hades não poderão vencê-la.
Jesus, motivado pela afirmação de Pedro do qual ele (Jesus) era o Cristo filho do Deus vivo, usou a palavra igreja pela primeira vez.

Contudo, esse termo surgiu 500 anos antes de Jesus na Grécia antiga com o filósofo grego Sólon, ao organizar uma reunião, ou assembléia, ou encontro de pessoas fora do ambiente político tradicional ateniense, ou simplesmente "os de fora do sistema".
500 anos depois, Jesus diz que baseado na afirmação de que ele era o Cristo filho do Deus vivo, estava estabelecendo sua igreja, ou reunião, ou assembléia, ou grupo de pessoas comuns de fora do sistema reliogos tradicional judeu.

A igreja ficou conhecida na sua origem por pessoas de fora de um sistema religioso padrão.
Estabeleceu seus locais de encontro em pontos públicos, até que com a perseguição teve de se refugiar nos lares, onde permaneceu por 3 séculos seguidos crescendo e afrontando os poderes politicos e religiosos de sua época.

A igreja de Cristo nunca precisou de lugar, ela só precisa ser.
Basta estar edificada sobre o fundamento de que Cristo é o filho do Deus vivo.

Se teu encontro dominical no local habitual te faz cristão só ali... Tenho péssimas notícias pra você. Aquele teu vizinho chamado "desigrejado" por cultuar em casa tem mais de Cristo nele que você.

John Wesley, evangelista inglês do século XVIII fundador do movimento metodista dizia: Meu púlpito é o mundo!
Ele entendeu que todo lugar era extensão da igreja desde que ele estivesse reunido COMO igreja.
Faça de sua casa, trabalho, lazer, ou qualquer ambiente uma extensão da verdade que edificou a igreja: Cristo é o filho do Deus vivo!

domingo, 19 de abril de 2020

Liturgia - sofrimento

José observava o modo como seu avô cuidava das feridas daquele homem e mal conseguia respirar no mesmo ambiente por causa do odor de alcool que exalava do homem ferido. José ainda percebeu em seu bolso um cachimbo e uma substância que ele nunca viu alguma vez na vida, mas imaginava que era droga e lembrou dos alertas que faziam em Liturgia para não se aproximar de alguém que usasse drogas, como tudo aquilo era errado e abominável aos olhos de Deus.
"Não vos embriagueis com vinho onde há contenda" dizia o pastor que ocasionalmente era visto por José em seu escritório tomando uma taça que ele ganhava nas suas saídas diplomáticas da cidade.
Seu avô, percebendo o olhar duvidoso do neto perguntou:
- O que passa ness sua cabeça?
- Nada demais, vovô. Fico pensando quais pecados esse homem pode ter cometido pra cair numa desgraça de vida como essa.
- Coisas da vida...
- Mas não pode ser casual, deve ter alguma explicação.
- E qual você sugere, José?
- Reflexo de uma vida longe de Deus, de promiscuidade, de egoísmo. Se ele estivesse numa igreja, jamais estaria aqui sofrendo cheio de feridas e entorpecido pelo alcool e sabe lá mais o que. Esse tipo de coisa não acontece a quem serve a Deus. Porque Deus não permite que seus servos colham tais males.
- Então para você tudo se resume em plantar e colher, José?
Não seja tão binário. O sofrimento tem causas que talvez jamais possamos entender e estamos todos sujeitos a ele.
Deixa eu te contar uma história...
Poucos meses depois de sair de Liturgia, conheci um jovem, pouco mais velho que você, tinha um nome diferente, Jenz, e carinhosamente o chamava de Jota.
Jota também teve uma criação religiosa como a nossa, também tocava e cantava, ensinava a bíblia e tudo o que nós dois fizemos e fazemos.
Jota se casou jovem, aos 19 anos, com uma moça da igreja, virgens, tudo conforme regia o protocolo.
Ela cantava, ele tocava, os dois lideravam o grupo de jovens da igreja. A família de ambos também frequentava a igreja. O pai do Jota inclusive viajava bastante como missionário.
Tudo perfeitamente bem na vida deles.
Um dia, Jota teve uma reunião no trabalho que ocupou mais seu tempo do que deveria. Ele tinha culto de jovens naquela noite e não daria tempo de voltar para casa, pegar sua esposa e ir a igreja ensaiar para o culto. Então, ele ligou para seu melhor amigo, padrinho de casamento e também um dos líderes de jovens juntamente com ele e pediu ao amigo que passasse para buscar sua esposa em casa e encontraria com eles na igreja.
O amigo foi...
No caminho até a igreja, os dois foram surpreendidos no caminho com uma carreta que avançou na pista contrária e atingiu o carro onde estava o amigo e esposa vitimando-os ali mesmo.
Jota perdeu no mesmo dia o melhor amigo e sua esposa.
Ficou arrasado.
Reação mais natural possível. Mas em momento algum ele praguejou ou questionou a Deus por que  estava sendo acometido a uma dor tão grande se em nenhum momento ele fez algo que pudesse merecer aquilo.
Pouco tempo depois, Jota ainda descobriu que tinha um câncer e logo começou um tratamento. Debilitado, frágil, sofrendo ainda a perda do amigo e esposa. Teve de ouvir do pai as mesmas palavras que você pronunciou, que dizem diariamente em Liturgia - Você está colhendo algo que plantou - "Está em pecado" dizia o pai, "Deus está tratando contigo", etc.
Pai este que se afastou ainda mais do filho para não se contaminar com seu suposto pecado.
Jota sofreu bastante com o tratamento que nunca teve efeito de fato, o câncer se espalhou e ele morreu aos 23 anos.
Morreu para os médicos, segundo o laudo do óbito. Morreu seu corpo frágil, esse mesmo que você e eu temos, que o tempo desgasta. Mas eu gosto de pensar que ele foi resgatado por Deus desse sofrimento e está agora mesmo junto a Ele. Conhecendo o amor de um Pai de verdade, numa intensidade de escala que jamais imaginaríamos existir. Que esse corpo frágil não suportaria.
Então, José... Eu te pergunto: O que fez ele de tão grave para ter tamanho sofrimento?

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Liturgia 2

- Mas isso não é errado?
- E por quê seria?
- Em Liturgia aprendemos que as relações de amor são entre homem e mulher; pais e filhos; e entre os irmãos de fé. Fora isso é errado.
- Em Liturgia! Mas você não está lá agora, está? Eu perguntei a você.
- Eu não sei ao certo. Não me parece natural que dois homens ou duas mulheres tenham uma relação de amor.
- O amor não segue regras, José. Para ser amor, é preciso ser livre.
- Mas as pessoas não vão para o inferno por isso?
- Inferno é onde não há alguém para amar! Você está morto quando perde a capacidade de amar e está condenado por isso.
Quando você permite amar sem regras, sem dogmas, você então ama de verdade.
Em Liturgia as pessoas vivem cegas em regras morais, em códigos de conduta legalistas, presos num sistema falido que não gera empatia entre os outros, apenas robotiza as pessoas em coisas que parece amor, parece liberdade, e não são. O amor é selvagem, José. Ele é bicho solto que corre livre entre as pessoas buscando vidas abertas para entrar e estabelecer morada. E ele precisa ser livre para entrar nessas vidas e transformá-las, moldá-las. Ele precisa esvaziar você de tudo o que te ensinaram errado, e quando não houver mais nada aí, então você será inundado de compaixão, de bondade, de empatia, de amor de verdade.
José olhava espantado enquanto seu avô continuava falando sobre amor de uma forma que ele jamais ouviu antes em Liturgia.
- Você aprendeu a amar pessoas que agem dentro de um determinado padrão aceitável em Liturgia. Agora você precisa amar ao próximo e deixar esse amor aos iguais de lado. Amor enlatado, engarrafado, enjaulado não é amor de verdade. Seja livre, ame na diversidade!
- O que é pecado então, vovô?
- José, eu peco quando eu destruo qualquer possibilidade de me relacionar com as pessoas. Eu peco quando segrego. Eu peco quando sou mau para mim e para os outros. Eu peco quando sou bom só para mim e não para os outros e também quando sou mau a mim e tento passar uma ideia de benevolente aos outros.
Tire a ideia de pecados catalogados da sua cabeça. No máximo, as pessoas pecam de forma diferente de você.

sábado, 28 de março de 2020

Evangelho ativo

Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus.  Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres?  Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.   Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha;
Mateus 7:21‭-‬24 

Jesus está dizendo claramente que a maioria das coisas que se praticam dentro de um culto cristão não é parâmetro pra se definir quem verdadeiramente é ou não um cristão.
Nem todo aquele diz "senhor, senhor"...
Onde mais se usa esse termo?
Dentro dos templos, em cultos.
"Em teu nome profetizamos e expelimos demônios e muitos milagres fizemos também"
Onde mais se faz isso?
Dentro dos templos em cultos cristãos.
Apartai-vos de mim, os que praticam a iniquidade.

Jesus não reconhece tais atos como atos dignos de justiça diante dele, se tais atos não forem praticados no exercício da vida, no cotidiano, num mundo real. A vida cristã não se resume a isso.
O texto de Mateus é o final do sermão da montanha. A famosa síntese de Cristo sobre o evangelho do Reino de Deus.
Ele começa no cap 5 com as bem-aventuranças, situações facilmente aplicadas na vida.
Bem-aventurados os humildes; os que choram; os mansos; os famintos por justiça; os misericordiosos; os limpos de coração; os pacificadores; os perseguidos pela causa de Cristo.
Todas as situações acima são vividas diariamente em casa, no trabalho, na escola, na rua, no transporte público, na padaria, no supermercado, no elevador, etc.
Jesus ainda diz sobre amar aos inimigos e perseguidores, alertando que isso é um dever de todo aquele que se torna filho de Deus (Mt 5:45a).

Por séculos, a igreja tem resistido ao chamado ministerial de servir o Reino de Deus dessa forma. Os interesses pessoais tomaram conta dos cultos e já não há mais espaço para o serviço ao Reino.
As orações pelos perdidos, enfermos, presos, os solitários, os famintos, tem deixado lado pelos pedidos por um novo carro, uma promoção no trabalho, uma casa, uma viagem.
O hedonismo tomou o espaço do dever altruísta que era a chave do sucesso da igreja primitiva.
O hedonismo substituiu a "kenosis"; em outras palavras, o "esvaziamento" de si mesmo, de seus desejos, de suas vontades pra que o querer de Jesus inunda nosso coração
Até mesmo o famoso chamado apostolico descrito em Mateus 28:19 e 20 ("Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém.") tem sido usurpado em seu sentido prático.
O verbo imperativo desse texto não é "ide", mas sim "fazei" e "ensinar".
Fazer discípulos e os ensinar a guardar a mensagem do Reino de Deus.
Nos ensinar que o evangelho precisa transcender os muros e portas de suas reuniões e se tornar ativo no seu dia a dia.

Uma mulher de 23 anos na universidade de Paris, escreveu certa vez em um de seus trabalhos acadêmicos o seguinte:
"Para mim, um cristão é ou um homem que vive em Cristo ou um impostor. Vocês cristãos não percebem que é com relação a isso - ao testemunho quase superficial que vocês dão de Deus - que nós os julgamos. Vocês deveriam irradiar Cristo. Sua fé deveria fluir para nós como um rio de vida. Deveriam nos contaminar com seu amor por ele. E assim, então, que Deus, que era impossível, se tornaria possível para o ateu e aqueles de nós cuja fé oscila. Não podemos evitar o choque, transtorno e a confusão que sentimos ao ver um cristão, que seja de fato, como Cristo. E não o perdoamos quando ele não é."

Essa mulher talvez não saiba, mas essa declaração revela o quanto a igreja tem se distanciado do exemplo da vida e obra de Jesus.
A igreja evita os perdidos, se tornou incapaz de andar com os necessitados, de amar ao próximo, ou como disse alguém certa vez "o cristão de agora não ama ao próximo, ama apenas seu semelhante"; não perdoam os inimigos. Todo tipo de gente inescrupulosa que Jesus visitou em suas casas, assentou em suas mesas e comeu com eles é exatamente os que hoje repudiam a Jesus. Mas por que? Porque não o conhecem de fato!
Não o encontram na face do cristão ocupado demais com seus próprios deleites.

Philip Yancey na apresentação de seu livro "Maravilhosa Graça" descreve um diálogo com uma prostituta onde ela cita o quão horrível é sua vida e o quanto ela se sente ruim, solitária, depressiva e quando confrontada com uma simples pergunta -Por que não procura ajuda em uma igreja? - Ela responde: Porque não quero que me façam sentir pior do que já estou!

A incapacidade de amar aos necessitados tem sido a principal fonte de derrota do evangelho.
Se tornou algo impossível para um cristão deixar seus juízos de lado e perdoar, amar.
Não preciso ressaltar que o maior de todos os mandamentos é amar ao próximo.
Ainda no sermão da montanha, Jesus alerta sobre amar até mesmo aqueles que nos odeiam, acrescentando: 

Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? Mateus 5:46

Não é de se espantar que cristãos por vezes esquecem desse princípio fundamental que é amar. Ainda no primeiro século da igreja, João precisou alertar isso aos cristãos em sua primeira carta:

Irmãos, não vos escrevo mandamento novo, mas o mandamento antigo, que desde o princípio tivestes. Este mandamento antigo é a palavra que desde o princípio ouvistes.
Outra vez vos escrevo um mandamento novo, que é verdadeiro nele e em vós; porque vão passando as trevas, e já a verdadeira luz ilumina.
Aquele que diz que está na luz, e odeia a seu irmão, até agora está em trevas.
Aquele que ama a seu irmão está na luz, e nele não há escândalo.
Mas aquele que odeia a seu irmão está em trevas, e anda em trevas, e não sabe para onde deva ir; porque as trevas lhe cegaram os olhos. 1 João 2:7-11

João continua ensinando sobre os fundamentos desse amor genuíno e cristão, nascido no coração de Deus e manifesto em carne através de Jesus.

Conhecemos o amor nisto: que ele deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos irmãos.
Quem, pois, tiver bens do mundo, e, vendo o seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas entranhas, como estará nele o amor de Deus?
Meus filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas por obra e em verdade.
1 João 3:16-18

Quem não pratica o amor ao próximo, pratica apenas a iniquidade.
Em outras palavras, quem não vive o amor ao próximo, vive o amor a si mesmo.