Dedico à memória de Lutero, Calvino e Pedro.
O livro não tem a intenção (nem de perto) de ser um tratado teológico e/ou (muito menos) científico.
“We all want progress, but if you're on the wrong road, progress means doing an about-turn and walking back to the right road; in that case, the man who turns back soonest is the most progressive.” - C.S. Lewis
"Para quem está na estrada errada, progredir é dar meia-volta e retornar à direção correta; nesse caso, a pessoa que der meia-volta mais cedo será a mais avançada" - C.S. Lewis - Cristianismo Puro e Simples
Capítulo 1.
"Complexo sim. Impossível? Teoricamente não" - explicava McFly Zemeckis. "Viajar ao futuro é, a princípio, mais simples. Se uma matéria viajar a 98% da velocidade da luz, por exemplo: cada ano percorrido por ela corresponderia a cinco anos passados no tempo da Terra. O que possibilitaria a um astronauta fazer uma viagem (só de ida) para um mundo 20 anos mais velho, envelhecendo apenas 4 anos."
O professor jubilado de Física em Harvard gesticulava e apontava. Quando tratavam sobre o assunto distorções no espaço-tempo ou viagens no tempo, o professor franzino e calmo se transformava num orador empolgado.
"Viajar ao passado é uma idéia mais complexa. Envolve todo o paradigma dos possíveis impactos de uma alteração do passado. Nos remete a Einstein e Gödel. Relatividade, curvas fechadas de caráter temporal... O fato é que qualquer pesquisa nessa área envolveria energia muito maior do que dispomos em todo o nosso planeta."
"O Superman conseguiu" - murmurou um aluno. Alguns alunos riram e o sinal tocou.
Professor Zemeckis chamou dois alunos para uma conversa pós-aula quando eles se dirigiam a saída lateral.
Da Silva e Rodriguez eram os dois únicos alunos latinos que cursavam aquela disciplina. Ambos estavam ali através de um programa de bolsa para jovens pesquisadores, oferecidos por Harvard a estudantes do mundo todo.
Rapidamente o mestre explicou aos alunos que para manutenção da bolsa de estudos os alunos deveriam apresentar resultados não apenas nas provas, mas em desenvolvimento de pesquisas e, principalmente patentes:
"O governo americano e os contribuintes dessa instituição exigiram uma participação convincente na Expo2007. Os EUA detém o maior número de patentes, mas precisamos de algo inovador. O mundo não precisa de um desencaroçador de abacates. Eu proponho a vocês meus jovens, a fabricação de uma máquina do tempo."
"Professor Zemeckis, o sr. acabou de nos explicar que não é plausível qualquer pesquisa nessa área. Além disso, eu sou brasileiro e o Rodríguez é chileno. Como nossas descobertas vão favorecer os Estados Unidos na Expo?"
Reinaldo da Silva, ou Rey, como era chamado pelos colegas, nasceu em Belo Horizonte, cidade do sudeste brasileiro. Brilhante nos estudos, gostava de futebol e era cristão. Adaptou-se facilmente a cultura americana.
Zemeckis sorriu sem jeito e explicou que qualquer descoberta seria apresentada como do "Centro de Pesquisas Harvard" e não de qualquer indivíduo. Mas assegurou que seus nomes seriam reconhecidos. "Sobre a questão técnica, gostaria que os senhores dessem uma olhada nos meus estudos. 128, Sezam Street, às 5 p.m. Estejam lá."
Os dois estudantes e o professor se reuniram no horário programado. Entraram na garagem residencial do Professor e se depararam com um maquinário de 2,5 metros de altura, 4 metros de comprimento, superfície metálica e interligado por um emaranhado de fios, cabos e tubos. "Essa é minha máquina do tempo", entusiasmou-se o velho britânico.
"Percebo", respondeu Rodriguez sem emoção. "E qual o nosso papel na pesquisa?".
"Vocês terão o privilégio de realizar a primeira viagem ao passado da história".
"Cobaias." - resmungou o chileno.
"Escolham o ano e o local, por favor. Não temos um minuto a perder. E levem isso com vocês!" falou entregando um tubo acobreado.
"Wittemberg, Alemanha, 1510. E se der, uma passadinha por Genebra, Suíça, 1540" respondeu Da Silva.
Capítulo 2.
Rodriguez e Da Silva acordaram num bosque frio. Caminharam numa trilha por 40 minutos até encontrar um vilarejo.
"O Professor vacilou. Isso aqui não é Alemanha. Tá todo mundo falando espanhol" - observou Rodriguez.
Juan Rodriguez tinha 27 anos. Cursava sua segunda faculdade e tinha uma posição pragmática a respeito de quase tudo. Recebeu uma dúzias de prêmios de instituições chilenas, por seu desempenho, antes de ser convidado para Harvard. Era ateu.
"Eu estou ouvindo tudo em português", respondeu Da Silva, apontando para o tubo. "Tradutor instantâneo. Feito nos Estados Unidos, 2089. O Professor viajou previamente ao futuro, pelo jeito. Vamu lá pegar o Lutero.
"Como??"
"Vamos conversar com o Martinho Lutero. Foi pra isso que eu escolhi esse local e época. Queria conversar com ele."
"Ok."
Eram encarados pelos aldeões enquanto andavam. Rodriguez fazia comentários sarcásticos de como o professor lembrou do tradutor mas esqueceu de providenciar roupas de época.
"Olá, gostaria de conversar com o professor Lutero", solicitou Da Silva em frente Universidade de Wittemberg.
Lutero era um jovem caristmático. Olhou com certa desconfiança para os dois rapazes esquisitos.
Da Silva estendeu a mão para cumprimentá-lo. Naquela hora foram teletransportados para a Suiça, 1940.
"Parece que o Professor achou uma boa hora para seguir em frente no seu roteiro", falou Rodriguez.
"Por mil cangurus mancos! Aonde estamos?" gritou um atônito Martinho Lutero.
"Os livros não mencionam que você usava expressões engraçadas. E nem que um alemão do século XVI sabe o que é canguru."
"Que livros? Ora batatinhas inglesas. Vocês são as criaturas mais estranhas que Deus já me enviou."
Rodriguez se divertia com as expressões de Lutero.
Da Silva guiou o grupo e apresentou Lutero a Calvino e a Rodriguez na hora que o professor resolveu trazê-los de volta.
"Observação número um: O professor é muito apressado. Observação número dois: Acho que não deveríamos ter trazido dois teólogos para o século XXI. Observação número três: Não estamos nos Estados Unidos."
"Tamo em Sao Paulo, Brasil", disse Da Silva ao colega observador. Vê aquela fumaça? É um ônibus queimando.
"Pow Mano.. Manêra essa cidade aí." falou Lutero.
"Acho que esse tradutor do futuro tá exagerando um pouco".
"Vamos na casa do meu amigo Vanderlei. Ele mora lá na Deep Bar".
"Blza" respondeu o Calvino. "Eu entendi certo? Estamos no século XXI??"
"Sim, e aquilo ali é um carro. São carros que funcionam sem cavalos."
"Obrigado sr Rodriguez. Calvino tirou um bloquinho e uma pena do bolso e começou a fazer anotações."
"Pega uma caneta ó..." Da Silva entregou uma caneta a Calvino, que sorriu olhando para a caneta.
Chegaram na Barra Funda.
Lutero que parecia não se impressionar com os carros, metrôs, televisores, computadores, emocionou-se profundamente ao avistar uma Bíblia em português, na casa do Vanderlei. Sem cerimônias, abraçou o livro e chorou.
Vanderlei tinha visitas. "Um professor centenário e um homem das cavernas", conforme descrevera.
O Professor Zemeckis logo apresentou seu amigo: "Apóstolo Pedro".
"Podem me chamar de Pedrinho", sorriu o robusto pescador.
"Eu reparei no seu interesse por personagens cristãos e pedi pra outro aluno bolsista buscar o primeiro papa, Pedro!" disse o Professor alegre a Da Silva.
"Professor... eu sou cristão evangélico. Não notou que eu fui buscar o Lutero? Por que nos trouxe ao Brasil? Por que não deu roupas atuais pro Pedrinho?"
"Minha área é Física. Geografia e Moda são para os mais fracos hehehe."
"Pessoal, o papo tá bom, mas tá na hora de ir pra igreja" - cobrou Vanderlei. "Eu vou visitar uma com a Sandra.. Voces querem ir?"
"Como assim, 'Ir a Igreja?' Não se VAI à Igreja. Se É Igreja." observou Pedrinho.
"Ah tah... É que hoje a gente fala assim sabe? Igreja pode ser o nome do galpão ou da denominação..."
"Denominação?" perguntaram os três homens do passado, em uníssono.
"É complicado de explicar... São pessoas que pensam diferentes mais são cristãs. Que nem vocês, Lutero e Calvino."
"O careca ali discordou de mim foi?" falou Lutero brincando com Calvino.
"Tá tarde. Bora pra igreja pessoal. Quer dizer... Vamos ser Igreja... er... vamos nos reunir como igreja lá num galpão de uma denominação ali."
"Relaxa" falou Lutero.
Capítulo 3.
Sentiram-se a vontade no começo do culto.
Pedro dançava empolgado durante o louvor. Lutero adorava emocionado. Calvino tomava notas em seu bloquinho."
"Olá meus irmãos, eu sou o Ministro de Louvor. Tô vendo daqui que tem muitos irmãos parados. Voces tao aqui pra adorar ao Senhor. Crente que é crente adora ao Senhor com espontaneidade. Quando o ministro fala "levanta a mão" levanta.... O irmão aí, tá com os braços cansados?" Perguntou o ministro olhando pra Calvino.
"Digamos que meu conceito de 'espontaneidade' seja diferente do seu" - respondeu em voz alta.
"Quê isso irmão? Que crente é esse que quando fala o nome de Jesus num sai pulando de felicidade? Crente que ama Jesus TEM que levantar as mãos. Dá um glória a Deus aih.... Dah um brado de vitória!" Respondeu o ministro seguido de uma cacofonia de gritos 'de júbilo'.
Após o louvor, um jovem pastor se levantou para fazer a cobrança dos dízimos e das ofertas. Solicitou que acompanhassem no livro de Malaquias, capítulo 3, versículo 10.
"Irmão... meu irmão...", começou o pregador.. "Eu vejo tanta gente pedindo as bênçãos do Senhor, mas quando vai vê, num é dizimista. ACHA que Deus vai abençoar?
Continua assim pra ver.. que quando Jesus voltar nóis sobe e tu fica. Dízimo é MANDAMENTO. Começa a dar o dízimo pra ver se nao vai cair as bençãos do céu pra você!!!"
O ministro passou 25 minutos explicando a necessidade do dízimo. Pedro observava chocado. Lutero estava vermelho e uma veia saltava de sua testa. Calvino tomava notas.
"Da Silva... Você não falou que o Templo foi destruído? Por que eles tão cobrando dízimos aqui? Tão pensando em reconstruir o Templo?" estranhou Pedro.
"Da Silva.. Você não me disse que a "Reforma Protestante", como voces chamam, funcionou? Por que continuam com cobrança de indulgências?!" reclamou Lutero.
"Da Silva... A caneta tá falhando." pediu Calvino.
Da Silva pediu para que aguardassem a pregação principal, a seguir (e entregou uma caneta nova pro Calvino).
O pastor seguinte levantou abriu sua Bíblia.
"Gostaria de dar seqüência a série de mensagens que comecei há dois domingos. Os irmãos que desejarem poderão adquirir os vídeos das mensagens na Livraria da Igreja por um preço simbólico. O tema do sermão de hoje é "Se Crerdes Verás a Glória de Deus, Parte III. Abram a Bíblia em João 11:40".
"O João escreveu um livro, hehehe" falou Pedro baixinho...
O Pastor leu o texto. Depois se dirigiu a congregação. "O texto está dizendo que se vocês crerem, verão a glória de Deus."
"Me parece óbvio", observou o cético Rodriguez.
"E sabe o que quer dizer isso???? SE CRERDES VERÁS A GLÓRIA DE DEUS!!!!!!! ALELUIAS" - repetiu levantando a voz...
"Sabe que eu tava orando aqui e percebi que SE CRERDES VERÁS A GLÓRIA DE DEUS. OH GLÓRIAS!" O Pastor começou a gritar e a pular. "Levanta e aplaude ao SENHOR agora porque se crerdes veras a glória de Deus ooooooooooooh.... se crerdes, aleluias... " completou ofegante "verás a glória de Deus, APLAUDAM!"
Passaram-se 5 minutos de aplausos. Alguns preferiram aplaudir de pé. Outros aplaudiram sentados. Quando pararam o Pastor recomeçou e falou firmemente: "Se crerdes verás a glória de Deus!", ao que completou pau-sa-da-men-te: "Se crerdes, verás, a glória do Deus vivo!".
Depois de 40 minutos de repetições, entre aplausos e brados de vitórias, o Pastor fez uma confissão:
"Irmãos, devo confessar uma coisa pra vocês. Eu tinha me esquecido de preparar a mensagem hoje. Mas tava orando ali no meu canto e 'recebi' essa fresquinha. É quentinha vinda do forno dos céus agora... RECEBAM, oh aleluias. Se crerdes verás a glória de Deus!!! APLAUDAM".
Ao final do culto, depois da bênção apostólica, tocaram um 'louvor animado' e bradaram o grito de guerra da igreja. Vanderlei chamou o Pastor, que era um conhecido da família.
"Pastor, esse é Martinho, um amigo meu, professor de teologia."
"Cuidado com essas coisas de teologia irmão. É bom mas tem que vigiar. Querer virar teólogo é coisa dos infernos. Deus que dá a sabedoria. Mas diga lá... Se você é teólogo vou logo lhe fazer uma pergunta: O Dízimo tem que ser do rendimento bruto ou do rendimento líquido???"
"Não sei" respondeu Lutero com um olhar meio curioso, meio fulminante.
"Tá vendo só? O que que ensinam nessas escolas de teologia hoje em dia? Bíblia que não é... Vou te responder com uma pergunta: Você quer bençãos líquidas e bençãos brutas???" retrucou o pastor apreciando sua própria sabedoria com uma sonora gargalhada.
"Pedrinho, voce ainda tem aquela espada corta-orelhas?" perguntou Lutero ao apóstolo, deixando o pastor sem entender patavinas.
Enviada: Qua Ago 16, 2006 1:38 am Assunto:
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Capítulo 4.
O grupo heterogêneo decidira viajar para Belo Horizonte, numa Kombi, na manhã seguinte. Durante o percurso Lutero discorria sobre a Reforma.
"Minha intenção nao era formar uma nova 'igreja' e sim retornar aos princípios das Escrituras. Mas eu previa que a ruptura seria inevitável após a publicação das 95 teses. Fui um tanto ingênuo de pensar que o papa renunciaria sua soberania sobre a Terra."
"Mas olhe para o lado bom, Lutero. Agora nós os evangélicos vivemos plenamente as Escrituras. Acreditamos na salvação pela fé e não por obras e não damos valor para tradição em detrimento da Bíblia. Não há mais indulgências. Todos podem estudar a Bíblia. Não há a separação clero-laicato e cremos no Sacerdócio Universal do Crente" - defendeu Reinaldo Da Silva.
Lutero e Calvino se entreolharam duvidosos da declaração de Da Silva. "Você tava no mesmo lugar que eu ontem a noite?"
Da Silva não respondeu e ficou pensativo.
"Desculpem interromper,"- disse o Professor - " mas eu tava aqui analisando... Vocês três estão aqui e não houve nenhuma alteração no nosso presente, ou seja, futuro de vocês. Formulei algumas teorias para isso. A primeira teoria: "A máquina do tempo construída nos traz de volta exatamente ao tempo de origem e não a realidade alternativa gerada pelo impacto da ausência de vocês na história. Ou seja, não estamos no futuro de um mundo após o sumiço de Lutero, Pedro e Calvino, mas no mesmo tempo presente da partida. Eu acho essa a hipótese mais coerente."
"Talvez Deus tenha usado outros instrumentos para cumprir sua obra no nosso lugar" respondeu Calvino.
"Não. Vocês continuam nos livros de história. Eu chequei." declarou Rodriguez.
"Outra hipótese: vocês foram devolvidos ao tempo de vocês através do Máquina do Tempo, no exato tempo que saíram, não trazendo quaisquer modificações ao nosso tempo. É um pouco complicada pois presume que vocês foram devolvidos num futuro que ainda não aconteceu, simploriamente falando." - continuou o Professor.
"Se for verdade essa, Lutero, dedica um dos teus livros pra mim", gracejou Da Silva.
"Pessoal, quando chegar em BH, me levem no mar que eu quero pescar uns peixinhos" implorou Pedro.
"Não tem mar em Minas Gerais, Pedrinho" corrigiu Rodriguéz.
"Como??? Em Israel tinha mar!" choramingou Pedro lembrando-se de Sião.
"Na Alemanha tinha mar" concordou Lutero.
"Na França, onde nasci, tinha mar" acrescentou Calvino
"AINDA tem mar em todos esses lugares. Mas em Minas não tem pow" falou Rodriguez rispidamente
"Esse Deivid aí que vamos visitar.. Ele é americano?" perguntou o Professor. "O nome é americano".
"É não. É brasileiro mesmo." respondeu Da Silva.
"Calvino... Eu tava lendo na casa do Vanderlei uns textos seus. Voce acredita mesmo que foi predestinado a ser careca?" - perguntou Lutero rindo.
"Acho que sim Martinho. Mas posso disfarçar com meu chapéu. Compadeço-me de você que foi predestinado a ser feio."
Todos riram e a Kombi Wolks 1987 entrou nos limites de Belo Horizonte.
Capítulo 5.
"Vandãããããããão" - entusiasmava-se o exagerado Deivid ao abraçar Vanderlei, que viera junto dirigindo a Kombi. Apresentou-se a todos e apresentou sua esposa Jenifer, e seu filho João Ramon.
"Gente... Hoje vamos numa igreja de uma amiga minha em Contagem. Vai uma cantora aqui de BH, a irmã Ana." - convidou Jenifer.
"VÃO a Igreja?" - perguntou Pedro.
Calvino deu uma cutucada sutil e Pedro resolveu deixar pra lá.
Cada um tomou um banho. Pedro gostou muito do pão de queijo servido no jantar, mas vez por outra resmungava da ausência de mar.
A noite foram ao culto em Contagem (que Rodriguez chamava de 'roça') em dois carros.
Era culto de Ceia e Pedro estava animado com isso.
Todos desfrutaram do louvor. As palavras da ministra "Jó foi um homem que sofreu muito..." parecia ter um significado especial para Pedro.
Como era dia de Ceia a mensagem seria dada pelo Apóstolo Estevinho, fundador da denominação. Lutero olhou pra Pedro que deu de ombros.
O Apóstolo fez um relatório do crescimento da denominação. Solicitou maior empenho nos dízimos e ofertas para que a obra crescesse. Contou algumas piadas com fundo gospel. A seguir leu o texto de 1 Corinthios 11: 23-34.
Sua esposa, Bispa Tânia, assumiu a programação após a leitura. Mandou que os diáconos distribuíssem os copinhos de suco de uva. E que cada um aguardasse a ordem pra poder beber. Tocaram um cântico enquanto distribuíam.
"Todos receberam?" - Perguntou a bispa.
Ninguém se acusou e ela começou a falar com um timbre embargado na voz.
"Levante a tacinha de vocês... Olhe bem pra ela. Você sabe o que ela significa??" Perguntou em voz chorosa. Muitos se emocionavam ao ouvi-la.
"Significa que você venceu mais um mês! Mais um mês de santidade! MAIS UM MÊS DE VITÓRIA"
As pessoas iam glorificavam e deliravam. Alguns em estado de êxtase.
"Podemos participar."
Alguns segundos de silêncio se seguiram. Logo após um rompante de brados e choros.
A mesma rotina se seguiu com a distribuição e participação do pão.
Cantaram mais um pouco. Alguns "novos membros" da igreja foram apresentados. Alguns bebês foram apresentados. Avisos foram dados.
O mais incomodado com tudo isso era Pedro. Começou a discursar para nós, e um grupo de pessoas parou para ouví-lo.
"Eu me lembro muito bem. O Senhor Jesus, na noite em que foi traído, nos ensinou sobre isso. Mas algo não está certo."
"Sabe... Jesus nos ensinou a cerca de uma Nova Aliança. Uma vez ele falou sobre isso com um grupo de fariseus que conviviam conosco." - continuava Pedro.
"Eu percebo que vocês aqui não entendem muito o conceito de Aliança. Já no nosso tempo isso havia se perdido. Nós líamos na Torah que Deus havia feito uma Aliança com nosso pai Abraão."
"Se vocês abrirem no capítulo 15, verão que o próprio Deus andou no meio de animais mortos para consolidar uma aliança. Isso era muito comum naquela época em toda a região da terra de Canaã e vizinhança. Era um termo de Aliança. Quando duas pessoas ou povos faziam uma aliança, cortavam animais e passavam entre eles dizendo:
"Que se suceda comigo como a estes animais se quebrar contigo a minha Aliança". E eu ouvia esse texto e me perguntava: "Por que o Todo-Poderoso se sujeitou a termos de aliança tão... humanos." O Profeta Jeremias menciona os mesmos termos de Aliança. Séculos mais tarde ainda era uma prática comum (Jer. 34:18)."
"Foi quando Jesus apareceu a mim. Eu percebi que o mesmo Deus que firma um pacto com o homem se sujeitando aos seus próprios termos, agora chegara ao absurdo de se fazer homem, e nascer numa manjedoura! Foi quando naquela tarde ele começou a falar sobre sua Nova Aliança com o grupo de fariseus. Ele usou termos fortes como "comer minha carne, beber meu sangue". Muitos ali foram embora murmurando "duro é esta Palavra". Haviam povos pagãos que faziam aliança nestes termos.
Comiam carne e sangue humanos para selar a aliança. Foi quando Ele olhou pra mim... Ele olhou para dentro de mim e perguntou: "Voces tambem querem se retirar?"
"Eu sabia que ele estava me propondo uma Aliança. E como judeu eu tinha consciência que Aliança é um pacto inquebrável. Tudo que é meu se torna dele. Tudo que é dEle se torna meu. Para sempre. "Para quem eu iria, Senhor... Se só tu tens as Palavras de vida Eterna?", eu respondi, e me entreguei completamente a aliança proposta."
"Quando na noite que foi traído ele nos disse "Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim..", todos nós imediatamente compreendemos. E muitas vezes celebramos em memória do nosso Senhor, com os elementos dos termos da Aliança que nos foi proposta. E reafirmamos nosso pacto eterno com nosso Salvador."
"Não é celebrando 'mais um mês de vitória'. Não é pra lembrar que 'eu venci mais um mês em santidade'. Pelo contrário: É para lembrar que eu perdi. Que meus próprios caminhos me levavam à morte. Mas Ele, aliançado conosco, morreu a morte que era nossa, e nos entregou a Sua Vida."
"Por um minuto eu achei que tinha saído alguma coisa errada na Bíblia de vocês. Parecia que estava escrito: "Fazei isso em memória de si mesmo, da sua própria vitória. Examine, pois, o homem ao seu irmão. Verifique se ele fez curso de batismo, se batizou, frequenta os cultos e isso que voces chamam de células, se é dizimista e se ele não dormiu com a namorada. Caso contrário, este não deve participar da ceia, senão vai se dar mal. Após beberdes, chorai ou bradai em alta voz."
"Mas não... Tá tudo como foi falado mesmo."
Lutero acenou com a cabeça e disse que nunca tinha parado pra pensar sobre a Ceia de uma forma tão simples e ao mesmo tempo tão profunda.
Um dos líderes chegou para Pedro e perguntou o motivo da movimentação.
"Olá Pastor", respondeu Pedro. "Eu estranhei algumas coisas que aconteceram aqui esta noite".
"Ah... perfeitamente normal. Você já passou pelo Encontro?"
"Hã?"
"O Encontro com Deus. Você vai num acampamento e fica três dias com o Senhor."
"Eu ando diariamente com o Senhor", respondeu Pedro.
"Tô vendo que tem muita maldição pra quebrar na tua vida. Rebelião é igual pecado de feitiçaria irmão."
O Pastor olhou para Calvino e Lutero e perguntou se eles gostaram do culto.
"Ah... sabe o que é Pastor. Eu tô ficando um pouco decepcionado com as 'igrejas' que eu tenho ido."
O Pastor respondeu compreensivamente. "Eu sei como é meu irmão. Toda a igreja tem problemas. Não tem nenhuma igreja perfeita. Você tem que se adaptar em uma e viver com isso. Sempre ouça o que o Pastor ou líder, homens de Deus, tem a dizer, sem questionar. Aprenda o princípio da Autoridade Espiritual. Você não pode ficar sem cobertura.
"Pastor... se eu pensasse dessa maneira, o sr não estaria aqui hoje." respondeu Lutero.
"Meu jovem... Não entendi o que voce quis dizer, mas vou te dar um conselho: vá ler a Palavra."
No caminho de volta para BH, da Silva conversava com os teólogos do século XVI.
"Eu tava pensando no que voces falaram e é verdade. A coisa não anda muito legal por aqui não. O que eu faço?"
"Siga o conselho daquele Pastor: leia a Palavra." respondeu Lutero.
"Comece a reforma a partir de você", completou Calvino.
"Eu acho que..." - Pedro entrou na conversa - "acho que você precisa viajar "de volta para o passado". Mas sem a máquina do tempo. Quero dizer... Volte aos princípios que orientaram os meus colegas do século XVI. Volte a simplicidade do Ser Igreja e não do Ter Igreja. Em Jerusalém, da comunhão dos que creram era só um o coração. E isso se espalhou até os confins da terra."
Capítulo 6.
Chegaram na casa de Deivid.
"Professor... Eu estive pensando na sua segunda hipótese. Se enviarmos os caras do passado pra mesma hora que eles saíram, o conhecimento que eles tiveram do futuro, por si só geraria uma mudança no comportamento deles, e do futuro em si.", observou Rodriguez.
"Talvez, meu jovem."
"Como assim, 'talvez?'”
"Deus conhece o futuro. Ele não se limita a Tempo e Espaço, como nós. Ele se insere no nosso tempo ao longo da história. E já conhecendo o futuro em sua onisciência, permite que o homem tome suas próprias decisões. É o que alguns teólogos chamam de 'livre-arbítrio'. Não confunda pré-conhecimento com pré-determinação."
"Há controvérsias." retrucou Calvino.
"Professor... não vai me dizer que o senhor também acredita em Deus? Vocês são homens cultos.." - falou Rodriguez olhando para o grupo. "Como é que podem acreditar nesse livro que não passa de um conjunto de lendas?"
"Rodriguez... Leia esse Livro" respondeu Lutero. "Um dia eu procurava respostas, como você, e as encontrei aí."
"O mesmo aconteceu comigo" declarou Calvino.
Rodriguez pegou a Bíblia e foi ler. Os outros foram comer pizza e conversar sobre "Missões". Ele sabia qual era o capítulo mais longo da Bíblia. Ouvira Calvino comentando. E foi pelo Salmo 119 que começou sua leitura.
'Bem-aventurados os que trilham com integridade o seu caminho, os que andam na lei do Senhor! Bem-aventurados os que guardam os seus testemunhos, que o buscam de todo o coração, que não praticam iniqüidade, mas andam nos caminhos dele!' (Psa 119:1-3)
Rodriguez aprendera a odiar os absolutos. "Certo e Errado". "Bom e Mau". E o Livro que ele lia agora se apresentava como uma cerca que dividia e definia o Certo e o Errado. Pela primeira vez em muito tempo ele vizualisou essa cerca. Sem cercas ele podia viver tranquilo. Era isso que o Cristianismo trazia mesmo. Culpa e escravidão.
Ele queria um mundo sem cercas. A medida que continuava a ler, percebia o quão perdido do lado ERRADO estava. "Quem é que gosta de um livro acusador desse?"
Resolveu saltar um bloco de páginas. Caiu em Romanos. "Lutero fala bastante de Romanos", pensou.
"Mas Deus dá prova do seu amor para conosco, em que, quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós." (Rom 5:8)
Aquele versículo o atingiu como um raio. As palavras de Pedro e de seu professor, de um Deus todo-poderoso, criador de todas as galáxias, conhecidas ou não, se insere no nosso espaço-tempo, nasce em uma manjedoura, vive numa terra obscura de um pequenino planeta. Morre após tortura, em uma cruz. As mãos que formaram o mundo foram cravadas numa cruz. E o mais chocante: o versículo diz que Ele ama um pecador. Um perdido do lado errado da cerca! E que a cada martelada dos pregos romanos de 6 polegadas, Ele podia escolher fulminar o exército Romano ou se entregar por aquele perdido.
Rodriguez continuou lendo durante toda aquela noite.
Ao amanhecer, Deivid trouxe leite recém ordenhado de suas vacas leiteiras. "Bom dia meu jovem, exclamou".
Rodriguez tinha seus olhos inchados.
"Oi Deivid, cadê o Professor?"
"Jogando PlayStation com o Calvino".
Rodriguez interrompeu o jogo.
"Oi Juan. Acho que chegou a hora de dizer tchau a nossos amigos do passado. Já estão a um certo tempo aqui. Compartilharam do seu conhecimento conosco. Vou enviá-los de volta." declarou o professor.
"Professor. Eu aprendi que um experimento científico válido pode ser repetido em qualquer outro ambiente de laboratório controlado. Ontem, enquanto lia a Bíblia, senti algumas coisas que eu não conseguia explicar com minha objetividade científica. Eu cheguei então ao Evangelho de Lucas, após a ressureição de Cristo. Dois discípulos caminhavam até Emaús quando Jesus conversou com eles e depois se revelou a eles. "E disseram um para o outro: Porventura não se nos abrasava o coração, quando pelo caminho nos falava, e quando nos abria as Escrituras? " E eu pude reconhecer que era isso que acontecia comigo naquele exato momento. Meu coração se abrasava... queimava, ardia. Eu vi que o mesmo Jesus que se revelou aos dois discípulos a 2 mil anos atrás, falava comigo hoje. E no laboratório do meu coração eu experimentei a mesma sensação que aqueles homens. Naquele momento eu falei a Jesus Cristo que faria a Aliança Eterna com Ele. Que tomaria do Seu Sangue e comeria da Sua Carne. Ele se apresentou a mim e eu não precisei voltar ao passado para conhecê-lo. Ele estava aqui"
"E a sua decisão no presente certamente mudou seu futuro" acrescentou Calvino.
"Foi o mesmo comigo, com Da Silva, com Calvino ou com Pedro, caro Rodríguez. O amor de Deus é imutável. E nos alcança ao longo dos séculos, mudando a nossa história e a História."
Lutero, Calvino e Pedro voltaram a seus anos de origem. Despediram-se emocionados, sabendo que tinham um amigo em comum, que estaria com eles todos os dias, até a consumação dos séculos.