- Como ousa me pedir mais? Que ridícula audácia é essa a que tem se permitido? Acaso não tem memória ou é mesmo o bom senso que lhe falta? Ora, lave esses olhos ou arranque-os de uma vez. Parecem sem utilidade. Tolo, esqueceu de onde veio? Foi num deserto que te encontrei tal qual um lagarto, sob o pó do chão seco, pisado e sem bem algum. Bem nenhum mesmo, pois que nem a vida parecia lhe valer alguma coisa. Nem a ti nem a qualquer outro. Era um defunto que ainda respirava, sendo lentamente enterrado ao curso de anos numa cova de solidão e apatia, sob os pés e indiferença dos que te viam sem enxergá-lo. Mas eu o enxerguei. O apresentei à minha família que lhe recebeu como igual. Te fiz sentar entre os meus irmãos. Dividiu o prato dos meus filhos. Em suas mãos confiei autoridade e responsabilidades cabíveis, para que ganhasse independência, maturidade e honra. Então agora, como você é capaz de ignorar a tudo isso? Não percebe que a sua atitude beira o deboche? Eu mesmo com minhas mãos te banhei, tratei suas feridas, te vesti e ensinei. Mas você que veio do nada, ainda não se dá por satisfeito. Escolheu não crescer, mesmo sendo educado pelos melhores e tendo sido respeitado por todos. Repete, assombrosa e insuportavelmente, os mesmos erros. E hoje me aparece, mais uma vez, pedindo mais. Mais. Mais o que? O que mais você espera de mim? Já não me desfiz o suficiente daquilo tinha para que você também tivesse? Já não dividi minha vida com você? E veja que nunca lhe pedi nada em troca. Acaso pensa que não sofro com a sua preferência pelo fracasso? Com a sua insistência num comportamento infantil e autovitimado? Como ousa? Como se atreve a voltar a mim? E justo eu. Explique-se.
- É porque no fim das contas, quando erro mais uma vez, você sempre é tudo o que tenho. Me perdoe.
...
- Espere! Não vá ainda. Olhe aqui, ainda posso te ajudar. Sim... eu ainda posso. Tenho como conseguir um novo emprego para você. É uma vaga disponível que estava sendo guardada há algum tempo. Sem dúvida, você se sentirá muito bem lá. E eu mesmo o recomendarei.
- Mas... Pensei que... Por que ainda me ajudaria? Já não lhe ofendi o suficiente? Por que, então...
- É porque o amo. E também porque no fim das contas, quando você errar mais uma vez, e sei que vai errar, eu ainda serei tudo o que você tem.
Um comentário:
woooooooooow adoro quando pessoas conseguem traduzir em palavras certos sentimentos que às vezes ocorrerm lá no fundo...
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